sábado, 25 de junho de 2011

UMA HISTÓRIA SIMPLES

Por volta das seis da manhã acordou, deu um beijo em sua esposa e, enquanto observava ela acordar-se, admirava como conseguia manter-se bonita mesmo nas ações mais corriqueiras.

Seis e trinta. Tomado banho veste-se enquanto se empolga com o cheiro do café e os cabelos em torno da boca da mulher, que ela os retira com um balanço de cabeça, tudo isso visto da brecha entreaberta da porta do quarto provoca uma sensação tantas vezes experimentada: agarrá-la e suspender a rotina daquele dia por breves quarenta minutos. Mas hoje não tem como, chegarão encomendas importantes que ele tem que dar baixa no escritório e o trajeto àquela hora é difícil, por causa do trânsito.

Tudo isso pensa enquanto a beija no pescoço, naquela parte de trás conhecida como cangote, sentindo prazer ao vê-la arrepiar-se, ao mesmo tempo em que decide guardar seus desejos para o fim do dia, onde serão mais importantes para esquecer do trabalho e se preocupar com o futuro. Filhos são uma grande responsabilidade, mas não era má idéia ter uma criança correndo pela casa, precisando de carinho, atenção e crendo nele como em um sábio. Mas afinal de contas, durante toda a nossa existência não é a segurança de alguém que sabe mais do que nós e que possa nos encher de carinho, um desejo por vezes inconsciente? Acorda de seus devaneios com a pergunta sobre a qualidade do café.

A ida até o portão é difícil, mesmo porque aquela camisola tinha sido uma arma comprada contra ele mesmo. Fecha os olhos, pensa nos pedidos que têm que ser feitos à matriz da firma ainda pela manhã e a beija docemente na face, correndo para o trabalho.

Sete e meia. Como esperava, a mercadoria estava chegando e levou boa parte de suas preocupações para o inconsciente. Quando conseguiu uma folga lembrou-se que tinha uma relação de pedidos a fazer. Como estava com o telefone nas mãos, não custava nada um agrado: ligou apenas para dar bom dia, perguntar o que ela estava fazendo e o que tinha para o almoço, todas as perguntas bem menos importantes que a vontade de ouvir aquela voz doce, meio rouca pelo sono interrompido, mas de uma ternura capaz de deixá-lo lesado.

O restante do dia transcorre sem maiores novidades, a não ser pelo almoço em casa que não vingou por causa de um problema na já famigerada relação de pedidos. Para desculpar-se, aproveita que cai uma chuva fina e constante, passa na floricultura e compra um buquê de flores do campo. “Mas vão ficar lindas naquele vaso azul!”, pensa na resposta enquanto paga e vê os olhos dela cheios de alegria pelo mimo feito.

Ao abrir o portão não consegue chegar até a porta, pois ela o recebe com um sonoro beijo nos lábios como só os namorados de primeiras semanas fazem e preocupa-se dali em diante apenas com seu infinito microcosmo familiar.

No noticiário das oito e meia sobram sangue e lama, o que o faz pensar se não seria errado preocupar-se tanto consigo mesmo e passar a preocupar-se mais com o mundo fora da sua casa. Uma história simples como a sua, deveria na verdade ter uma maior contemplação com o nível de violência, organizada ou não, a crise política e a relação entre esses temas. Enquanto pensa suas idéias ela cochila em seu ombro, no sofá da sala, após o jantar.

Chega à conclusão de que deveriam a mídia e o mundo buscar no cotidiano histórias simples como a dele, para que a violência social , política e física não tivessem tanto espaço assim na vida das pessoas, tornando-as menos humanas e mais autômatos, preocupadas apenas em desempenhar suas funções no menor tempo possível.

Recorda-se de uma crônica do Rubem Braga, esquecido dos jornais num tempo em que o imediatismo é imperativo. A crônica fala do quanto é impróprio para a mídia o chamado cotidiano, pois este abarca um humanismo que deve ser esquecido, em seu lugar o substituto ideal aparece em notas vermelhas de sangue: histórias tristes onde a desgraça familiar é o alvo. Da mesma forma a corrupção lidera os noticiários, este por sua vez faz ao homem comum enxergar o quanto é inútil ser correto e ético, tanto no plano profissional quanto no pessoal.

Pensa e repensa em tudo isso até chegar a uma conclusão, o melhor a fazer naquele momento, como em todos os outros pelos quais já passou não é buscar comparativos para a solução dos problemas no exterior. O melhor a fazer é desligar a televisão, pegar a mulher nos braços e levá-la entre beijos e murmúrios carinhosos até o quarto, onde uma noite feliz os aguardava, sendo todo o resto uma simples História.

Nenhum comentário:

Postar um comentário